Com 1,6 milhão de vagas gratuitas, institutos federais são mistura de colégio com universidade
Publicada em 19/10/24 às 21:40h - 12 visualizações
Agência Senado
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(Foto: Agência Senado)
Os prédios com a sigla IF em verde e vermelho na fachada costumam provocar confusão. Quem passa diante de algum dos institutos federais espalhados pelo Brasil pode imaginar, dada a imponência, que ali funciona um colégio frequentado pela elite ou então, em razão do adjetivo “federal”, que se trata de uma universidade federal com nome diferente.
Nem uma coisa, nem outra. Os institutos federais são, na realidade, uma mistura de escola com universidade. Neles, o ensino é público e gratuito.
No lado escola, oferecem ensino médio, educação de jovens e adultos (EJA) e cursos técnicos profissionalizantes. No lado universidade, contam com graduação, especialização, mestrado e doutorado.
Todos os cursos são ministrados dentro do mesmo prédio. Esse híbrido de escola e universidade é um modelo único no mundo e 100% brasileiro.
— Nos institutos federais, vamos do alfinete ao foguete — resume a diretora-geral do campus do Instituto Federal de Brasília (IFB) localizado no Plano Piloto, Christine Rebouças Lourenço.
Existem hoje 38 institutos federais, cada um com mais ou menos 20 campi na sua respectiva região de abrangência. São, ao todo, 705 campi em funcionamento — um campus para cada oito cidades brasileiras. A rede, assim, consegue estar presente em quase todos os rincões do país.
Quase 860 mil alunos frequentam as salas de aula dos institutos federais. Também são oferecidos cursos rápidos de qualificação profissional. Adicionando os matriculados nesses cursos, o número total de estudantes chega a 1,6 milhão.
Os institutos federais têm salas de aula com lousa digital, biblioteca, laboratórios, salas de informática, anfiteatro, ginásio esportivo e piscina, entre outros equipamentos.
— Quando conhecem a infraestrutura, muitos estudantes de escolas públicas convencionais, em vez de ficar empolgados, acabam se intimidando e imaginando que o instituto federal não é lugar para eles. Precisamos acabar com essa impressão equivocada — afirma a diretora do campus do IFB.
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Apesar da capilaridade dos institutos federais pelo território brasileiro, o desconhecimento de parte da sociedade é compreensível. Primeiro, porque eles são o braço mais novo da rede nacional de educação. Depois, porque quase não se faz propaganda deles.
O modelo começou a ser posto em prática há apenas 16 anos, a partir de uma lei aprovada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados e assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo mandato (Lei 11.892, de 2008).
Os institutos federais são a grande política pública do governo federal para o ensino voltado ao mercado de trabalho. A tecnologia é o eixo que precisa atravessar todos os cursos.
O EJA e o ensino médio, por exemplo, são integrados ao ensino técnico. Também há cursos técnicos avulsos, para quem frequenta ou já concluiu o ensino médio. Na graduação, formam-se diferentes tipos de engenheiros e tecnólogos, entre outros profissionais. Na pós-graduação, a prioridade é dada às pesquisas que tenham aplicação prática e sejam de inovação tecnológica.
O modelo tem outras particularidades. Uma delas é a busca da inclusão social.
Para selecionar os estudantes do ensino médio, cada instituto federal tem autonomia para adotar o método que preferir. Muitas optam pelo sorteio, o que permite que ricos e pobres tenham a mesma chance de ser admitidos. O vestibulinho, como comparação, dá vantagem aos jovens de nível social mais alto.
Optando pelo vestibulinho, pelo sorteio ou até pela análise de currículo, o instituto federal fica sempre obrigado a seguir a Lei de Cotas (Lei 12.711, de 2012) e reservar pelo menos 50% das vagas para jovens oriundos de escola pública, pobres, com deficiência e autodeclarados negros, quilombolas ou indígenas.
Para a graduação, a seleção costuma ser pela nota do aluno no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Alguns institutos federais aderem ao Sistema de Seleção Unificada (Sisu), o mesmo mecanismo adotado pelas universidades federais. A Lei de Cotas também vale para a graduação.
Para evitar a evasão escolar, em especial dos estudantes que precisam trabalhar, o governo federal concede aos mais carentes a Bolsa Permanência, que varia de R$ 400 a R$ 900 mensais.
As estatísticas mostram que os institutos federais têm cumprido a missão de incluir socialmente camadas mais pobres da sociedade. Dos alunos, em torno de 56% são negros e perto de 72% têm renda familiar per capita de no máximo um salário mínimo e meio por mês.
As extintas escolas agrotécnicas federais, como comparação, costumavam ser frequentadas pelos filhos dos fazendeiros, e não pelos filhos dos camponeses. Dizia-se que só conseguiam entrar nessas instituições aqueles que tinham um padrinho político forte que fizesse a indicação.
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Outra peculiaridade dos institutos federais é o compromisso com o desenvolvimento social e econômico da região.
Antes de um campus ser aberto numa cidade, são organizadas audiências públicas para ouvir a comunidade, incluindo estudantes, sindicatos, associações de moradores e movimentos sociais, que apresentam suas expectativas e sugerem os cursos que dialogam com a realidade local.
No campus de Bento Gonçalves, cidade famosa pelo vinho, o Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) oferece graduação em viticultura e enologia.
Situado numa região dedicada à produção de café, o Instituto Federal do Sul de Minas (IF Sul de Minas) abriu no campus de Muzambinho uma graduação em cafeicultura.
O Instituto Federal de São Paulo (IFSP), por sua vez, tem em São Carlos, polo nacional de aviação, um curso de engenharia aeronáutica.
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Uma das vantagens de existirem diferentes níveis de ensino no mesmo espaço é que os alunos do ensino médio convivem com os estudantes do ensino superior, o que contribui com o amadurecimento acadêmico, profissional e até intelectual dos mais jovens.
Além disso, os professores que dão aula no ensino médio são os mesmos que lecionam na graduação e na pós. Isso significa que, diferentemente do que ocorre nas escolas públicas convencionais, os estudantes dos institutos federais contam com professores altamente qualificados, quase todos mestres ou doutores.
Os jovens são incentivados a continuar no instituto federal depois da conclusão do ensino médio. Os cursos de todos os níveis são desenhados de modo a permitir a continuidade dos estudos.
Naqueles institutos federais localizados em Bento Gonçalves, Muzambinho e São Carlos, além das graduações respectivamente em vinho, café e aeronáutica, existem tanto cursos técnicos integrados ao ensino médio quanto cursos de pós-graduação dedicados às mesmas especialidades.
— Pode acontecer de um jovem entrar despretensioso no instituto federal, pensando em fazer apenas um curso profissionalizante de curta duração, e sair de lá alguns anos depois com o título de doutor — diz o secretário de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, Marcelo Bregagnoli.
De acordo com ele, a rede de institutos federais já está consolidada como política de Estado, que não muda ao sabor do governo de turno. Bregagnoli conta que ela tem o apoio da classe política:
— De cada dez parlamentares que vêm ao Ministério da Educação, sete estão aqui para falar especificamente dos institutos federais.
Pelo Brasil afora, nas eleições deste ano, candidatos a prefeito e vereador tiveram como plataforma eleitoral a promessa de negociar com o Ministério da Educação a instalação de um instituto federal nas suas respectivas cidades.
Bregagnoli afirma que países da América do Sul e da África já procuraram o ministério com o intuito de conhecer e replicar esse modelo de educação criado no Brasil.
No mês passado, o secretário do Ministério da Educação participou de uma sessão especial no Senado por ocasião do Dia Nacional dos Profissionais de Nível Técnico, celebrado em 23 de setembro. A sessão foi realizada a pedido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que descreveu a educação técnica como “via crucial para o avanço tecnológico e a inovação”.
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Embora o conceito dos institutos federais tenha surgido em 2008, as escolas técnicas como ação do governo federal existiam já havia um século.
A política pública nasceu em 1909, quando o presidente Nilo Peçanha assinou um decreto criando uma Escola de Aprendizes Artífices em cada uma das então 19 capitais estaduais. A missão dos cursos era transformar crianças de 10 a 13 anos em operários e contramestres em áreas como marcenaria, funilaria e sapataria.
Era o período pós-abolição da escravatura. Parte da sociedade não via com bons olhos os operários estrangeiros, pois traziam consigo ideologias como o anarquismo e aqui organizavam greves, e considerava mais seguro apostar na população nacional, em especial a infância pobre e negra, transformando-a em mão de obra domesticada e minimamente qualificada para a indústria, que começava a despontar.
No início da década de 1970, a ditadura militar tornou o ensino profissionalizante obrigatório em todas as escolas públicas e privadas de segundo grau (atual ensino médio). Os alunos poderiam escolher formações como auxiliar de enfermagem, técnico em edificações, contabilidade e agropecuária.
O Brasil vivia o chamado milagre econômico. No entanto, como os estados não tinham verbas suficientes para capacitar os professores nem para construir os laboratórios nas escolas, a medida dos generais não saiu do papel.
Em meados dos anos 1990, o governo Fernando Henrique Cardoso decidiu que a educação profissional seria necessariamente separada do ensino médio. Para o governo, os cursos deveriam ser oferecidos pelos estados e pela iniciativa privada, incluindo as escolas do Sistema S. As escolas técnicas federais estagnaram.
Na década de 2000, o governo Luiz Inácio Lula da Silva mudou a diretriz, retomando o protagonismo do governo federal e liberando o ensinos técnico e médio integrados num mesmo curso.
Os defensores desse modelo dizem que ele forma trabalhadores com consciência crítica, não meros apertadores de parafusos, e prioriza o desenvolvimento dos indivíduos, não a necessidade dos empresários.
Na época, o Ministério da Educação prometeu verbas aos governos estaduais adotassem o ensino integrado, mas houve boicote da parte de estados como São Paulo e Rio Grande do Sul, que preferiam a educação profissional isolada.
Como não podia obrigar os estados a criar cursos integrados, o governo federal decidiu em 2008, no segundo mandato do presidente Lula, reformar e expandir a sua própria rede.
Até então, a rede federal era heterogênea e reduzida, composta de escolas técnicas e agrotécnicas, unidades de ensino descentralizadas (Uneds), escolas vinculadas a universidades e centros federais de educação tecnológica (Cefets). Quase todos esses estabelecimentos se transformaram em institutos federais.
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Pela lei de criação dos institutos federais, os cursos técnicos precisam ser o carro-chefe do novo modelo. Pelo menos 50% das vagas devem ser destinadas à educação profissional. Embora os institutos federais também ofereçam cursos técnicos isolados, a prioridade são os integrados ao ensino médio.
A lei também estabelece que no mínimo 20% das vagas devem ser dedicadas à formação de professores da educação básica, especialmente em matemática, física, química e biologia. As licenciaturas, por isso, são a segunda prioridade dos institutos federais.
Os 30% restantes ficam, basicamente, com as graduações e pós-graduações das áreas de ciência, tecnologia e engenharia.
O professor aposentado do IFRS e doutor em educação Lucio Olimpio de Carvalho Vieira afirma:
— Com essas porcentagens, os institutos buscam colocar o Brasil num novo patamar de desenvolvimento, um patamar no qual outros países do mundo já se encontram. O Brasil, carente de profissionais qualificados, precisava dessa iniciativa.
Vieira, que também é conselheiro da Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (Proifes), avalia que a rede de institutos federais precisa de ajustes.
Um deles seria aproximar-se das redes estaduais de ensino, que têm muito mais escolas e alcance do que a rede federal, e firmar parcerias com elas. Hoje praticamente não existe diálogo.
Outro ajuste seria facilitar a criação e a extinção de cursos nos institutos federais. De acordo com Vieira, a estrutura do serviço público é burocrática e pouco flexível, o que torna as atualizações curriculares lentas diante da velocidade das mudanças no mundo do trabalho.
— Além disso, os institutos federais ainda estão muito submetidos à gestão do Ministério da Educação. A centralização, no meu entendimento, é exagerada — ele acrescenta. — Dadas as dimensões e a diversidade de realidades do Brasil, eles deveriam ter mais liberdade para escolher os cursos, decidir a forma de ensinar, incorporar as demandas do entorno. A necessidade maior de determinada comunidade pode ser a educação [exclusivamente] profissional, e não o ensino médio integrado.
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Em março, o presidente Lula anunciou a liberação de verbas do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC) para expandir a rede de institutos federais, que deverá ganhar cem campi em todos os estados até 2026. A expansão permitirá a matrícula de 140 mil novos estudantes.
O IFB, por exemplo, passará a contar com um campus no Sol Nascente, que há pouco tempo ultrapassou a Rocinha e se tornou a maior favela do Brasil. A comunidade tem mais 90 mil habitantes e fica a apenas 35 quilômetros do Ministério da Educação.
No mesmo evento em março, Lula anunciou ainda que os campi já existentes também receberão recursos do Novo PAC, que poderão ser aplicados na construção de restaurantes estudantis, bibliotecas, laboratórios etc.
O dinheiro, contudo, será pontual e não fará parte do orçamento anual dos institutos. Eles se queixam que, para fazer frente a despesas com obras, equipamentos e até funcionários terceirizados, precisam recorrer a emendas parlamentares.
O reitor substituto do IFB, Rodrigo Alfani, afirma:
— Nós somos a favor da expansão da rede, claro, mas ela precisa ocorrer junto com a consolidação das unidades que já existem.
De acordo com Alfani, as emendas de senadores e deputados federais são bem-vindas e fazem toda a diferença para os institutos federais. No entanto, continua ele, o ideal seria que a totalidade do dinheiro de que a rede necessita para se manter estivesse prevista anualmente no Orçamento federal:
— Isso nos permitiria fazer um planejamento melhor e nos daria um maior poder de decisão sobre como aplicar o dinheiro
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O reitor do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), Rafael Barreto Almada, avalia que os institutos não estão livres do risco de entrar num ciclo periódico de greves por melhores salários e mais verbas, da mesma forma que as universidades federais.
— O orçamento dos institutos federais caiu muito em termos reais nos últimos anos. O orçamento de 2024 é o mesmo de 2014, sendo que hoje temos muito mais alunos. Isso é um risco para a rede, já que não dá para falar em educação sem falar em planejamento de investimentos — diz Almada, que também é vice-presidente do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif).
Funcionária do IFSP, a assistente social Michelli Daros escreveu o livro #falaestudante! – um estudo sobre o legado da expansão dos institutos federais aos seus estudantes (Educ – Editora da PUC-SP) a partir de entrevistas com alunos de diferentes regiões do Brasil. Os jovens apontaram três problemas principais em seus institutos.
Primeiro, a ausência de restaurante ou lanchonete em alguns campi. Depois, a falta de espaços de convivência nos prédios, onde se possa descansar, conversar ou passar o tempo entre uma aula e outra. Por fim, a localização remota e isolada de certas unidades, dificultando o acesso dos estudantes.
— Apesar da precariedade nesse pontos específicos, os jovens se disseram privilegiados e orgulhosos por estudar num instituto federal — afirma ela.
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Daros também entrevistou pessoas de comunidades vizinhas e encontrou muita gente que não sabia ao certo o que era o instituto federal. Ela sugere que os institutos tracem estratégias para se tornar reconhecidos socialmente:
— Talvez não seja necessário fazer uma grande campanha publicitária. Bastaria alcançar as comunidades por meio de projetos de extensão, que são ações culturais e cursos de curta duração que dialogam com o entorno e levam a população para dentro dos campi. Outro caminho seria trabalhar em parceria com as prefeituras.
Daros explica por que a sociedade precisa saber o que são aqueles prédios com a sigla IF em verde e vermelho na fachada:
— A população só poderá lutar pelos institutos federais e exigir que o governo os priorize se ela usufruir dos seus serviços e entender a sua importância para a sociedade.
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